A Carta de João Pessoa é grito vivo contra o esquecimento
- Jana Sá
- 19 de abr.
- 3 min de leitura
No Brasil, onde a violência política sempre tentou calar as vozes do povo, escrever uma carta pode ser um ato de resistência. Em abril de 2025, essa resistência ganhou nome e endereço: Carta de João Pessoa. Fruto do encontro entre comitês e comissões de Memória, Verdade e Justiça do Norte e Nordeste, o documento é mais que uma síntese de reivindicações — é um marco vivo da luta por justiça de transição, que insiste em ser reivindicada mesmo diante do silêncio institucional.

O que essa carta diz não é novo, mas precisa ser dito de novo — e de novo, até que o país escute. Porque o Brasil insiste em fingir que a ditadura foi uma página virada, quando na verdade seus mecanismos seguem ativos, transmutados nas polícias que matam nas periferias, nos generais que ameaçam eleições, nos nomes de ruas que seguem homenageando torturadores.
Reunidos em João Pessoa, os comitês vindos de todos os cantos do Norte e Nordeste fizeram mais do que refletir sobre o passado. Eles denunciaram o presente e apontaram caminhos para o futuro. Reuniram suas dores, suas análises e suas esperanças para gritar que ainda é tempo de justiça. Que sem justiça não há democracia. Que sem memória não há país.
No coração da carta está a urgência de reinterpretação da Lei de Anistia. Enquanto essa lei proteger os algozes da ditadura, o Brasil seguirá impedido de reparar suas vítimas. A carta também fala de corpos que continuam sendo silenciados, de crianças pretas executadas, de trabalhadores precarizados, de indígenas expulsos, de LGBTQIAPN+ criminalizados. Porque a violência de Estado nunca deixou de acontecer — ela só mudou de nome, de método, de justificativa.
Mas há algo mais profundo na Carta de João Pessoa: uma ética da memória. Ela começa citando os nomes daqueles que tombaram, como João Pedro Teixeira e Margarida Maria Alves, e se ancora no exemplo vivo de Elizabeth Teixeira, que aos cem anos segue como símbolo da luta camponesa. Nomear os mortos é uma forma de impedir que os assassinos sejam esquecidos. É manter viva a história onde tentaram apagar.
O encontro também reafirmou o papel da educação, da comunicação e dos arquivos na disputa pelo sentido. Propôs a retirada de homenagens a golpistas, a criação de memoriais, o fortalecimento das comissões de verdade nas universidades, a elaboração de materiais pedagógicos acessíveis. Tudo isso revela o compromisso de que a memória não seja apenas uma lembrança: seja ação, seja ferramenta, seja justiça.
No fim, a carta é dura e clara: sem anistia para golpistas. Do golpe de 64 ao de 2016, passando pela intentona fascista de 8 de janeiro de 2023, há uma linha contínua de impunidade que precisa ser rompida. E romper essa linha é responsabilidade de todos que acreditam na democracia como projeto coletivo.
A Carta de João Pessoa não é apenas um documento político. É um chamado. Um clamor que sai das margens — geográficas e simbólicas — do país para lembrar que justiça de transição não é pauta do passado. É urgência do agora. Porque sem justiça, a história não passa de repetição. E o povo que resiste nas margens está dizendo, mais uma vez, o que o centro do poder insiste em não ouvir.
Mas está escrito. E quem escreve, resiste.



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