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Comissão de Mortos e Desaparecidos pela ditadura anuncia novas identificações


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No Brasil, a terra ainda guarda silêncios que o Estado não ousou decifrar. Silêncios de covas anônimas, de valas clandestinas, de ossadas sem nome — testemunhas mudas do terror imposto pela ditadura militar. Entre esses silêncios, pulsa a persistência dos familiares de mortos e desaparecidos políticos, que, ao longo de décadas, transformaram sua dor em luta, sua ausência em busca incansável por memória, verdade e justiça.


Por isso, o anúncio da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) sobre a identificação de Grenaldo de Jesus da Silva e Denis Casemiro, no âmbito do Projeto Perus, é muito mais do que um avanço técnico. É um ato de humanidade. É a reafirmação do direito à verdade, à dignidade dos nossos mortos, e à memória coletiva de um país que ainda reluta em encarar os escombros de seu passado autoritário.


A retomada das atividades da CEMDP representa também a resistência concreta contra a tentativa deliberada de apagamento promovida pelo governo Bolsonaro. Ao extinguir a comissão no apagar das luzes de sua gestão, sob a falsa alegação de que ela já teria cumprido seu papel, o governo não só atacou frontalmente a política de justiça de transição, como negou o próprio princípio da continuidade do Estado na reparação de crimes cometidos por seus agentes.


A verdade é que o dever da CEMDP está longe de ser concluído. Ainda há centenas de famílias que não puderam sepultar seus entes queridos, que não sabem onde estão os corpos de seus filhos, filhas, irmãos, irmãs, companheiros, companheiras, pais, mães, tios e tias. Ainda há arquivos fechados, documentos escondidos, e uma estrutura de impunidade que protege os que mataram, torturaram e desapareceram com brasileiros e brasileiras que ousaram lutar por um país livre.


Neste cenário, é essencial reconhecer e parabenizar o trabalho incansável da atual composição da Comissão, especialmente dos familiares que a integram. São eles — e sobretudo elas, mulheres corajosas, firmes e ternas — que nunca se calaram. Que enfrentaram generais, ministros e a indiferença das instituições. Que acompanharam cada exumação, cada laudo inconclusivo, cada pista tortuosa, sem jamais perder a firmeza ética de quem luta não por vingança, mas por justiça.


O Projeto Perus é um símbolo dessa luta. Desde a descoberta da vala clandestina no Cemitério de Perus, em São Paulo, em 1990, mais de mil remanescentes ósseos foram exumados. O trabalho do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Unifesp, em parceria com instituições nacionais e internacionais, tem sido meticuloso, respeitoso e profundamente comprometido com a verdade.


A identificação de Denis Casemiro é particularmente tocante. Irmão de Dimas Casemiro, também desaparecido político identificado pelo mesmo projeto em 2018, Denis representa uma geração inteira de militantes assassinados sem que suas histórias fossem contadas. Hoje, graças ao trabalho coletivo e à insistência dos que recusam o esquecimento, suas vidas ganham nome, rosto e lugar na memória do Brasil.


Que este momento nos convoque à ação. Que fortaleça o compromisso de todos os que defendem uma democracia viva, que reconhece seus mortos e responsabiliza seus algozes. Que pressione o Estado brasileiro a abrir os arquivos, a priorizar as investigações, a dotar a CEMDP de orçamento, autonomia e permanência.


Porque enquanto houver um parente esperando por notícias do ente que não voltou, enquanto houver uma ossada não identificada, enquanto houver um torturador livre, a democracia brasileira será, ainda, uma promessa não cumprida.


E nós não descansaremos. Por eles. Por nós. Por todos que virão.

 
 
 

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