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Relator da ONU escancara ao mundo: Brasil falhou na justiça de transição


Foto: Clarice Castro
Foto: Clarice Castro

Bernard Duhaime, relator especial da ONU para a promoção da verdade, justiça, reparação e garantias de não repetição, deixou o Brasil esta semana com um recado direto e doloroso: a ditadura militar pode ter terminado oficialmente em 1985, mas seus métodos, estruturas e efeitos continuam atravessando o presente brasileiro. A violência policial, o avanço do discurso autoritário e a tese do marco temporal são marcas vivas da herança que o país se recusou a enfrentar de forma plena e honesta.


Duhaime não falou em tese. Falou em constatação. Denunciou a permanência de práticas como execuções sumárias, tortura e detenções arbitrárias, em especial contra os corpos negros, indígenas, periféricos e dissidentes. Chamou a atenção para a impunidade como mecanismo de perpetuação da violência. Apontou o óbvio que o Estado insiste em esconder: o Brasil falhou em garantir justiça de transição e isso custa caro. Custa vidas.


A crítica ao marco temporal, que tenta inviabilizar a demarcação de terras indígenas ao restringir os direitos originários à presença em 1988, também ecoa como um grito de alerta. O relator mostra que a tese ignora – ou melhor, apaga – o fato de que muitas dessas comunidades foram expulsas de seus territórios justamente durante a ditadura. Desconsiderar isso é repetir o projeto autoritário de destruição dos povos originários, agora revestido de legalidade institucional.


Não é uma violência nova. É a mesma. É o mesmo fio histórico que liga o chicote da senzala ao pau-de-arara, e que hoje se materializa na bala da PM, nas ações de despejo contra povos indígenas e quilombolas, no encarceramento em massa, na ausência de políticas reparadoras.


O Brasil segue ignorando que a ditadura não foi só um regime autoritário com seus generais e censores. Foi um projeto político, econômico e social de extermínio e repressão. Um projeto que moldou as estruturas do Estado e que não foi desmontado. Seguimos vivendo sob os escombros dessa estrutura. E eles não caíram sozinhos. Foram mantidos com conveniências, omissões e acordos silenciosos.


É por isso que o documento da ONU precisa ser lido com urgência. Não como uma crítica externa, mas como um espelho que o Brasil teima em evitar. Cada linha desse relatório é uma convocação: ou enfrentamos nosso passado com verdade, justiça e reparação, ou permaneceremos presos a ele — repetindo sua lógica, revivendo suas tragédias, normalizando sua barbárie.


A democracia brasileira é jovem, frágil e incompleta. E só será plena quando for capaz de ouvir suas vítimas, punir seus agressores e transformar a memória em política de Estado. A transição não acabou porque nunca aconteceu de fato. E enquanto isso, o passado continuará governando o presente.

 
 
 

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